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30/05/2024

Dez anos da defesa da tese (com vídeo inédito)

Há dez anos, às 14 horas do dia 30 de maio de 2014, eu iniciei a defesa da minha tese de doutorado em Psicologia, intitulada “Ação, computação, representação: uma investigação psicogenética sobre o desenvolvimento do pensamento computacional”.

Registro da minha defesa (30/05/2014), cortesia do amigo Alex Cavalcanti.

A defesa foi uma das últimas etapas do processo que começou no final de 2009. Pouco tempo após ser empossado como professor do quadro efetivo da Ufes, participei e fui aprovado no processo seletivo do doutorado do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP/Ufes). Entre março de 2010 e maio de 2014, dividi minha rotina entre os encargos de professor no Departamento de Desenho Industrial (durante metade deste período, estive no estágio probatório) e as atribuições de estudante de doutorado.

Tive muita sorte e inúmeros privilégios para concluir a tese. Em primeiro lugar, fui orientado pela Professora Maria Cristina Smith Menandro. Cris foi professora de disciplinas que cursei no mestrado e sempre tive enorme admiração pela forma como ela conceitua e pensa a Psicologia. O jeito como eu discuto e entendo o cotidiano, pelas lentes da Psicologia, deve muito à oportunidade de ter sido aluno e poder conviver com a Cris durante o mestrado e doutorado.

“Geladeira serve para pensar. Você abre a porta, fica ali olhando para dentro e pensando no resto da vida”. Este é o tipo de ideia genial da Cris que me atraiu desde a primeira aula. Essa abertura (da geladeira e das ideias) me permitiu desenvolver a tese como um encontro de muitos temas em três áreas: Psicologia, Computação e Design. Tenho certeza de que foi a orientação que eu precisava, para fazer o estudo que eu desejei, com as doses certas de incentivo, direcionamento e liberdade.

Em segundo lugar, meu processo no doutorado foi muito tranquilo. Isso não quer dizer que foi fácil, que não perdi noites e finais de semana para dar conta. Tudo isso aconteceu e fez parte do resultado. A sensação de tranquilidade aparece, em grande medida, ao comparar o meu percurso e o de relatos de abandono, estresse, depressão e assédio, infelizmente bem frequentes entre os pós-graduandos de hoje.

Sempre digo que minha experiência com o PPGP, desde o mestrado (2005-2007), recuperou minha fé na universidade pública. Sou egresso da primeira turma de um curso de graduação aberto na era FHC, o que prontamente denuncia a falta de estrutura, de professores e de planejamento que enfrentei durante longos nove períodos (1998-2003). A pós-graduação em Psicologia da Ufes não surgiu em outro planeta, estava no mesmo cenário de omissões e descaso do Governo Federal com a educação superior nos anos 1990. Ainda assim, o PPGP funcionava muito bem, passava confiança e esperança de que as coisas poderiam dar certo na universidade. Saí muito satisfeito do mestrado e me decidi pelo doutorado assim que fui aprovado no concurso para professor efetivo da Ufes, no início de 2009.

Em terceiro lugar, foi um baita privilégio poder escolher e desenvolver o tema da minha tese, principalmente porque não estava inteiramente ajustado a nenhuma das linhas do PPGP. Novamente, isso se deveu em grande parte ao incentivo da minha orientadora, que entendeu rapidamente que meu problema não era só sobre designers saberem programar ou não, mas como as ideias que eles elaboram sobre a Computação e a programação afetam suas capacidades de projeto. Havia um pouco de Psicologia Social, de Psicologia da Aprendizagem, de Psicologia Cognitiva... Enfim, Psicologia.

O incentivo da Cris se espalhou por muitas frentes. O openEvoc, outro projeto do qual tenho muito orgulho e que me proporcionou muitas conquistas, surgiu em uma das disciplinas que cursei com a minha orientadora no doutorado e foi utilizado na análise dos dados da minha tese. É impossível não reconhecer que a tese defendida e o percurso do doutorado são coerentes com a minha história.

Arguição da banca, fala da Profª. Zeidi Trindade (30/05/2014).

De volta ao tema central da tese: o pensamento computacional, que até hoje não conquistou consenso na comunidade científica quanto à sua definição precisa ou quanto aos seus benefícios, é um problema epistemológico. Por isso, optamos por partir das representações sociais dos estudantes de design sobre a Computação e os computadores. Consideramos as práticas deles com esses domínios, para só então propor uma abordagem para o ensino dos princípios da Computação e desenvolvimento do pensamento computacional.

Dessa investigação, surgiu a principal motivação da minha permanência em sala de aula até os dias de hoje: a linguagem RocketSocket. Nos últimos dez anos, tenho trabalhado nos resultados da minha tese para torná-la realidade na formação superior em Design. Até 2019, utilizei basicamente os achados da pesquisa sobre as representações sociais para influenciar minha prática docente. Mudei minha estratégia de apresentar os princípios e conceitos da Computação, ofereci diferentes disciplinas que exploraram tecnologias, linguagens e aplicações daqueles conhecimentos às práticas de projeto dos estudantes. A linguagem em si, ainda física, ficou um pouco de lado.

Versão física de RocketSocket, como apresentada na defesa (30/05/2014).

Com a chegada do ensino remoto, durante a pandemia de Covid (2020-2021), e aproveitando a mudança do projeto pedagógico do Curso de Design da Ufes, achei que era hora de usar a segunda parte da tese e aplicar RocketSocket para valer em sala de aula. Desde então, todo semestre letivo é uma oportunidade de reiterar meu respeito pelo percurso que fiz na pós-graduação, com todas as disciplinas, orientações, conversas de corredor e demais atividades que me permitiram chegar à versão atual do RocketSocket.

Apresentação no P&D 2022 - Entre foguetes, estrelas e canetas

Nos últimos dois anos, publiquei e apresentei a experiência com RocketSocket no Brasil e no exterior (recomendações de leitura 1 e 2). Até o momento, cerca de 180 estudantes (seis turmas) passaram pela disciplina “Design Computacional”, que utiliza a linguagem durante todo o semestre. Mais de 7.000 projetos estão disponíveis no repositório da linguagem para consulta pelas turmas, dos quais mais de 3.000 são desenhos.

Apresentações: 32nd IAPCT Conference (2022) e Congreso de Enseñanza - Universidad Palermo (2023)

RocketSocket é uma linguagem de programação muito simples, com pouco mais de 30 instruções e estruturas de controle básicas, acompanhadas de duas dezenas de extensões para desenhar e realizar operações aritméticas. Tudo roda no navegador do computador ou do celular, sem precisar baixar ou instalar nada. As turmas passam cerca de cinco ou seis aulas coletando estrelas com o foguete, para em seguida desenhar todo tipo de coisa.

O processo, do código ao desenho, no RocketSocket.

As limitações da linguagem são as fontes de diversão dos projetos: dá trabalho produzir desenhos complexos, então o processo da ideia ao código é muito rico. O pensamento computacional, para mim, emerge justamente neste ponto, em que as instruções da linguagem “desaparecem” e os estudantes podem se expressar livremente.

A banca, da esquerda para a direita: Maria Cristina Menandro, Zeidi Araújo Trindade, Cláudia Broetto Rossetti, Rafael Moura Coelho Pecly Wolter e Rogerio José Câmara.

Por fim, preciso citar a composição da banca de defesa. Além da minha orientadora, foi composta por pessoas muito importantes na minha trajetória. Rogerio Câmara (UnB) foi meu orientador da graduação e esteve na minha banca do mestrado. É um parceiro de décadas, a quem devo muito sobre o que entendo sobre Design. “Não há defesa sem ataque", disse ele naquele dia.

Zeidi Trindade (PPGP/Ufes) é uma das pesquisadoras mais importantes da Psicologia brasileira. “Você foi aluno de Zeidi?”, me perguntam sempre que digo que fiz a pós-graduação na Ufes. Sim, sim, e continuo sendo. Não perco oportunidades para escutar Zeidi falar mais uma vez.

Cláudia Broetto (PPGP/Ufes) foi minha professora no doutorado e responsável pela paixão que tenho por Jean Piaget. Hoje, para a minha sorte, integro o Laboratório de Estudos do Desenvolvimento Humano (LEDHUM), do qual a Cláudia é uma das fundadoras.

O Prof. Rafael Wolter, que na época da minha defesa ainda estava na UERJ, era uma das minhas referências sobre a abordagem estrutural das representações sociais — área de aplicação do openEvoc. Como se não bastasse a encrenca de defender a tese em si, o trabalho foi meu primeiro teste público do openEvoc. A dissertação de mestrado da Arielle Sagrillo usou recursos preliminares do programa em 2013, mas a minha tese utilizou o pacote inteiro.

Bons tempos.

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O conteúdo integral da tese está disponível no repositório institucional da Ufes.


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